O Retorno - Opinião

abril 27, 2021




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Com esta obra, O Retorno, estreei-me com Dulce Maria Cardoso para o projecto Português no Feminino da Ana Catarina (@intermitenciasdeumaleitoraa). E que bela estreia! Estou a gostar muito de, este ano, estar a descobrir novos autores portugueses e pretendo continuar a fazê-lo. Para quem quer fazer o mesmo, convido-vos a seguir no Instagram: a Ana Catarina, o João (@na.cama.com.os.livros) e o Álvaro e o Ludgero (@literacidades), todos com iniciativas relativas a autores portugueses. Mas vamos à opinião deste livro.

O Retorno é um livro curto, de fácil leitura e que nos fala da forma como foi vivida o retorno dos portugueses que viviam em Angola, aquando da descolonização e da independência de Angola, em 1975. Todas estas mudanças são-nos oferecidas pelo ponto de vista de Rui, um rapaz com cerca de 15 ou 16 anos, que nos fala da vida em Luanda, das suas experiências com os amigos, na escola, das pessoas, das festas, dos sítios que costuma frequentar e de como é viver em África. 

Conta-nos, ainda, do início dos tiros, das pessoas a voltarem para Portugal, uns mais cedo e outros mais tarde, de como de repente as pessoas se passaram a olhar com desconfiança e com ódio, principalmente entre brancos e negros. Esta cisão é cada vez mais marcada e faz com que o medo de ficar em Angola aumente, provocando um êxodo de África para Portugal.

No entanto, retorno a quê? A onde? Grande parte destas pessoas nunca esteve em Portugal, já nasceram em Luanda, outras fugiram há muitos anos da pobreza de Portugal e em busca de uma vida melhor. Por isso, é um retorno a uma terra que não conhecem, a uma cultura mais fechada e sombria, um retorno a um país mais frio, contido e em ebulição causada pela revolução de 1974. E a família de Rui veio de Luanda para a metrópole sem nada, como a grande parte das outras pessoas, praticamente só com uma mala por pessoa, para ficarem alojados num hotel do Estoril, sem saberem até quando e se algum dia sairão de lá.

E são estas questões que percorrem todo o livro. Rui não percebe porque tiveram de voltar, porque é que de repente as coisas mudaram, porque é que os portugueses da metrópole não gostam dos que vieram das colónias, porque é que tinham tanto, em Angola, e agora não têm nada, ao ponto de toda a roupa que têm e os materiais de escola serem dados por instituições como o IARN. Rui é um miúdo que expressa muito bem a tristeza, a frustração e a incompreensão do porquê de serem tratados como cidadãos de baixa categoria, principalmente quando comparava a vida boa e normal que tinha em Luanda.

Este livro fala-nos destas diferenças tão acentuadas entre as duas culturas e os dois modos de vida, entre Lisboa e Luanda que, ainda que populadas por portugueses, não são iguais. Fala-nos de medo, de injustiças, dos ideais da revolução de Abril, da quantidade de revolucionários que Rui não compreende, e de um retorno a uma pátria que nunca se conheceu e que os deixa mais pobres.

Gostei bastante deste livro. A escrita é única e, por vezes, desafiante. O registo é quase oral, na medida em que o que está escrito assemelha-se muito à forma como contamos histórias oralmente. Por isso, a narrativa é pontuada, maioritariamente, por vírgulas e pontos finais; o discurso directo está incluído no seguimento do indirecto, sem aspas, nem travessões e, por isso, pode ser exigente em alguns momentos. Confesso que a mim não me fez confusão: quando percebemos o registo, nas primeiras páginas, acabamos por nos habituar à escrita.

Gostei bastante desta história que me fez, inclusive, procurar mais sobre a história de Angola, da sua independência e da vinda dos portugueses para Lisboa. Sim, vinda. Não, não foi um retorno. Foi uma fuga obrigatória para um país com pessoas, costumes e clima tão diferentes, com todas as dores que isso possa causar. Recomendo vivamente este livro e quero muito explorar mais a obra desta autora.

5/6 - Muito Bom

(Esta leitura conta para o desafio Mount TBR Reading Challenge 2021)


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Detalhes

Editora: Tinta da China
Páginas: 272
Sinopse:
"1975 Luanda. A descolonização instiga ódios e guerras.
Os brancos debandam e em poucos meses chegam a Portugal mais de meio milhão de pessoas. O processo revolucionário está no seu auge e os retornados são recebidos com desconfiança e hostilidade. Muitos não têm para onde ir nem do que viver. Rui tem quinze anos e é um deles.

1975. Lisboa.
Durante mais de um ano, Rui e a família vivem num quarto de um hotel de 5 estrelas a abarrotar de retornados — um improvável purgatório sem salvação garantida que se degrada de dia para dia. A adolescência torna­-se uma espera assustada pela idade adulta: aprender o desespero e a raiva, reaprender o amor, inventar a esperança.
África sempre presente mas cada vez mais longe."

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