Multitudes - Opinião

agosto 28, 2020


Desde que conheci pessoalmente a autora Lucy Caldwell o ano passado, numa palestra que deu organizada pelo centro de investigação onde trabalhei, que queria ler este livro de contos. Caldwell foi super simpática e afável e falava com um tal gosto e paixão sobre a escrita e sobre as suas obras, que fiquei curiosa para ler algo escrito por ela. Foram-me aconselhados os contos dela, nomeadamente os que fazem parte desta colectânea, Multitudes. Para se perceber bem estes contos, há que perceber também de onde eles vêm. Caldwell é da Irlanda do Norte, Belfast, um território conhecido pelo constante tumulto político, social e religioso até há uns 20 anos. Especificamente, o período dos Troubles marcou esta geração irlandesa que viveu de perto estes conflitos sectários que afectaram todas as vivências das várias fases da vida das pessoas, desde a infância até à idade adulta. E isso acaba por permear estes contos.


Os contos são sobre o crescimento humano: as fases da infância, adolescência e a vida adulta, influenciadas por aquilo que acontece, também, à nossa volta. As figuras são todas femininas e os contos abordam questões pelas quais todas passamos, desde a formação das amizades na escola, às desilusões amorosas, às descobertas do corpo e da sexualidade, o testar os limites daquilo que é permitido, as más decisões, até às dureza de ser adulto e das novas dores e desilusões que podemos sofrer, numa visão bastante crua, sem floreados nem romantizações sobre estas temáticas. Em cada conto, parece que as personagens parecem querer escapar às circunstâncias em que se encontram, mas cujas vidas e desfechos acabam por ser determinados, precisamente, pelo ambiente onde vivem. Desta forma, também o ambiente conflituoso da Irlanda do Norte, pouco tolerante à diferença e cujos danos são muitos mais do que as vidas perdidas e os conflitos armados que a marcaram, passam para as histórias destas personagens.


Gostei deste livro pelo foco em figuras femininas e por tratar temas tão presentes no crescimento do ser humano. Penso que qualquer mulher se identificará com estas histórias, por ter passado por estas experiências, ou por coisas semelhantes, ou por conhecer alguma amiga, prima, irmã, que passou por algo deste género. São histórias marcadas por uma crueza e dureza de linguagem que se adequa à experiência descrita, não deixando espaço para devaneios românticos, sonhadores ou idealistas, talvez fruto de uma visão despojada, definida pelo clima da própria Irlanda do Norte.


Apesar de tudo isto, acabei por ter a certeza absoluta que o formato de contos não é para mim. Eu gosto de passar tempo a conhecer as personagens, o que as move, a conhecer o mundo que as rodeia, as pessoas que conhecem... enfim. Eu gosto de ter um maior envolvimento com uma história e com as personagens, gosto de um maior compromisso do que aquele que fazemos quando lemos contos, que são formatos muito mais curtos. E, por isso, não consegui desfrutar completamente desta leitura, este formato não é para mim. 


Ainda assim, para quem gosta de contos principalmente com foco em figuras femininas e nas mudanças que operam ao longo das várias fases de crescimento, este livro é para vocês. Gostei da escrita da autora, das temáticas e da forma como os contos estão organizados, quase de forma cronológica consoante as fases da vida, e que lidam com temas que podem ser difíceis e dolorosos, mas que fazem parte da vida de todos.


4/6 - Bom

(Esta leitura conta para o desafio Mount TBR Reading Challenge 2020)


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Detalhes


Editora: Faber and Faber
Páginas: 170
Sinopse:
"In these vivid and touching stories - of childhood and adolescence through to early motherhood - lives are caught in transition between the in-crowd and the out, between love and loneliness, between the city and the country, between home and escape."

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