Ensaio sobre a Cegueira - Opinião

outubro 01, 2019

Título: Ensaio sobre a Cegueira
Autor: José Saramago
Editora: Porto Editora
Páginas: 343
Sinopse:
"Um homem fica cego, inexplicavelmente, quando se encontra no seu carro no meio do trânsito. A cegueira alastra como «um rastilho de pólvora». Uma cegueira coletiva. Romance contundente. Saramago a ver mais longe. Personagens sem nome. Um mundo com as contradições da espécie humana. Não se situa em nenhum tempo específico. É um tempo que pode ser ontem, hoje ou amanhã. As ideias a virem ao de cima, sempre na escrita de Saramago. A alegoria. O poder da palavra a abrir os olhos, face ao risco de uma situação terminal generalizada. A arte da escrita ao serviço da preocupação cívica".

Opinião:

À semelhança de muita gente, o único livro de Saramago que tinha lido até à data era o Memorial do Convento, que li no secundário para a cadeira de Português. Avessa às leituras obrigatórias, não gostei e sinceramente acho que o estilo de escrita peculiar de Saramago era demasiado para alguém com 16 ou 17 anos passar para além do comentário "o homem não sabe escrever, não põe pontuação nenhuma!". Posto isto, achei que estava na altura de dar mais uma oportunidade a Saramago, mesmo que fosse para continuar a dizer que não gosto, até porque este ano, na Feira do Livro, comprei duas obras dele. Lancei-me a este Ensaio Sobre a Cegueira e uma coisa vos garanto: não posso continuar a dizer que não gosto.

A premissa deste livro é bastante simples: um dia e de repente, sem que nada o fizesse anunciar, sem nenhuma condição física que o adivinhasse, as pessoas começam a cegar. As primeiras pessoas são levadas para uma espécie de antigo quartel, para um regime de quarentena, até que se descubra o que está a provocar essa cegueira e para conter a contaminação. A esse grupo inicial vão-se juntando dezenas, centenas de outras pessoas que vão cegando também, para este espaço onde são mantidos em isolamento total, vigiados por militares que impedem qualquer tipo de contacto entre os que estão lá dentro e o resto da população fora desse local. No entanto, é o grupo inicial de cerca de 7 pessoas que seguimos maioritariamente, através das quais o leitor vai percebendo o caos que se vai gerando. Contudo, há uma única mulher que não cega e não se sabe porquê. Não há nomes, não há características físicas, todos estão cegos e despidos de identidade. A cegueira é a única coisa que importa.

Nesse local assistimos ao desenrolar da epidemia, às pessoas novas que vão chegando, ao estado quase desumano (atrevo-me a dizer, até, animalesco) em que todos vivem, em que todos têm de lutar por comida e água, pela sobrevivência de cada um. A escrita de Saramago é tão crua em momentos de maior violência e desamparo que quase duvidamos daquilo que estamos a ler. Nesse sentido, achei que a escrita do autor transmite o sentimento de angústia, desespero e opressão que todas aquelas personagens vivem. E à medida que a narrativa avança vamos percebendo que a cegueira é uma maleita física, mas é, principalmente, uma metáfora para aquilo que impede as pessoas de verem os outros para lá dos seus preconceitos. Talvez a mulher que não cega seja a única porque sempre colocou o bem estar do outro em primeiro lugar e, só depois, ela própria. Talvez a cegueira seja a falta de altruísmo, a falta de tolerância e empatia em relação aos que estão ao nosso lado: o nosso amigo, colega, vizinho, o senhor do café, da mercearia, o polícia, etc, todas aquelas pessoas que passam por nós e nos passam despercebidas porque, tantas vezes, estamos cegos e não as vemos.

Posso dizer que gostei muito desta obra e ainda bem que não me fiquei só pela impressão que tive de Saramago no secundário. Gostei da escrita, do enredo, das personagens, em especial da mulher do médico, que é a única que não cega, e de todas as reflexões que o autor oferece sobre identidade, violência, sobrevivência, sobre o que significa estar cego e qual é o impacto dessa cegueira em cada um e nos outros. Não posso deixar de aconselhar este livro e com toda a certeza irei ler mais livros de Saramago.

5/6 - Muito Bom

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1 comentários

  1. Olá :)

    Na altura em que fiz o secundário, as escolas tinham a possibilidade de escolher entre "O Memorial do Convento" e "Aparição". A minha escola optou pelo segundo. Apaixonei-me pela "Aparição" e mantive sempre as minhas reticências em ler Saramago.
    O ano passado fiz a minha primeira tentativa. Li "O Conto da Ilha Desconhecida"e gostei muito.
    Este ano aventurei-me por este. A escrita é uma verdadeira mata de espinhos. Torna a leitura bem mais difícil, mas a história é magnífica. Tal como tu, também gostei muito da mulher do médico e fiquei sem fôlego naquelas cenas fortes, onde Saramago é tão cruel que torna tudo muito realista.
    O livro é uma boa metáfora daquilo que é a vida real.
    Boas leituras.

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