A Guerra Não Tem Rosto de Mulher - Opinião

abril 17, 2020


TítuloA Guerra Não Tem Rosto de Mulher
Autor: Svetlana Alexievich
Páginas: 392
Editora: Elsinore
Sinopse:
"O número de mulheres combatentes no Exército Vermelho chegou quase a um milhão, mas a sua história nunca foi contada. Este livro, marcado pelo estilo pungente de Svetlana Alexievich, apresenta testemunhos de mais de 200 jovens russas que passaram de ilhas, mães, irmãs e noivas a atiradoras, condutoras de tanques ou enfermeiras em hospitais de campanha. O seu relato não é uma história de guerra, nem de combate; é uma história de mulheres e homens catapultas "da sua vida simples para a profundeza épica de um enorme acontecimento".

Em que pensavam? De que tinham medo? Como foi aprender a matar? É sobre isto que estas mulheres falam, mostrando uma faceta do conflito sobre a qual não se escreve. Descrevem a sujidade e o frio, a fome e a violência sexual, a angústia e a sombra permanente da morte.

A Guerra Não Tem Rosto de Mulher, a marcante obra de estreia de Svetlana Alexievich, foi originalmente publicada em 1985, depois de quatro anos de pesquisa e entrevistas. Esta edição corresponde ao texto fixado em 2002, quando a autora reescreveu o livro e incluiu novos excertos com uma força que, antes, a censura não lhe tinha permitido mostrar."

Opinião:

Este é um livro de não-ficção que li muito por influência do bookstagram (se ainda não me seguem por lá, do que é que estão à espera?). Havia várias pessoas a lê-lo e a falarem tão bem do livro que acabei por comprá-lo também. Andava ansiosa para o começar a ler, porque de facto não se sabe praticamente nada sobre a participação feminina na Segunda Guerra Mundial. As histórias que lemos ou que ouvimos da guerra são sempre contadas sob um ponto de vista masculino, porque os homens são a maioria dos seus combatentes. No entanto, tendo havido quase um milhão de mulheres russas a lutar na Segunda Guerra Mundial, fora outros tantos milhões de outros países também, há claramente uma lacuna no que toca aos relatos de antigos combatentes, uma vez que ouvimos sempre o lado masculino. Apesar de serem elementos tão importantes e vistas, inclusive, com respeito pelos seus companheiros e algum temor por parte dos inimigos, é indispensável ter conhecimento do lado feminino da guerra.

Este livro é uma verdadeira viagem e acho que é impossível não nos sentirmos tocados pelos relatos que são transcritos neste livro. E à medida que lia, só pensava na quantidade de memória sobre esta guerra e outras, posteriores até, que se vão perdendo à medida que o tempo vai passando e os seus intervenientes vão, inevitavelmente, morrendo. Ainda bem que a Svetlana se lembrou de fazer este registo que nos dá uma visão mais rica e mais completa sobre o que significa, para uma mulher, lutar numa guerra. 

Porque a visão feminina é diferente da masculina, quanto mais não seja porque a guerra é um território construído para o homem e, por isso, tudo se adapta aos homens. Neste contexto, há detalhes que ganham outra importância para as mulheres, e elementos como a roupa, o calçado, ou o cabelo, ganham outro valor porque a sua feminilidade deixa de existir.  Depois, há a questão do treino militar que acabam por fazer praticamente no terreno e com muito pouco conhecimento de antemão. Penso que isso mostra a capacidade de adaptação que as mulheres têm, uma vez que queriam servir a pátria e tornarem-se as melhores a fazê-lo. É admirável que muitas mulheres se tenham tornado tão boas ou até melhores do que os homens, sendo, inclusive, temidas pelos seus inimigos e tornando-se heroínas de guerra. Outra questão que se destacou, foi o facto de que as mulheres que foram à guerra não eram vistas pelos homens da mesma maneira que eram as mulheres que não combateram. As primeiras pareciam ter sido "contaminadas" com a violência, o sangue, a sujidade, a morte e o horror da guerra e, por isso, a feminilidade, a delicadeza e até alguma pureza que eram características a serem preservadas pela mulher, tinham desaparecido. Apesar de serem admiradas por todos, depois da guerra foi difícil terem que se reajustar ao estilo de vida anterior, até para poderem ser escolhidas para casar e ter filhos.

Penso que este livro é um monumento aos que lutaram na Segunda Guerra Mundial, principalmente às mulheres que o fizeram e que não tiveram voz, até agora. É um registo da memória colectiva destas mulheres que ficou esquecido, se não fosse a publicação deste livro. Eu não fazia ideia que as mulheres desempenhavam funções para além de enfermeiras, e aqui temos vários exemplos de mulheres que detinham as mais diversas funções, desde cozinheiras, a condutoras de tanques, de aviões e até franco atiradoras, tendo estado na linha da frente. Algumas tornaram-se as melhores dos seus batalhões, quase lendas russas desta guerra, demonstrando a coragem e a bravura destas mulheres que se voluntariaram para ir combater pelo seu país.

É uma leitura pesada, mas muito enriquecedora e inesquecível. E é importante que mais obras destas existam, para que todas as vozes sejam ouvidas e para que estes eventos históricos, que foram tão traumáticos, sejam compreendidos tendo em conta as histórias de todos aqueles que participaram neles. Gostei muito deste livro e só posso aconselhar a toda a gente.

5/6 - Muito Bom

(Esta leitura conta para o projecto Ler a Rússia 2020)

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