O que torna um livro num clássico da literatura?
junho 19, 2020
Clássicos da literatura: quem não os tem na estante para ler?
No meu último ano de licenciatura, tive uma professora que colocou esta questão a todos nós, alunos, numa das suas aulas: o que é que faz de um livro, um clássico? Que características é que deve ter? Quem é que diz que um livro é um clássico, mas outro não? Uma peça de teatro pode ser um clássico da literatura? E poesia? Acho que qualquer leitor já se deparou com esta questão.
Pessoalmente, adoro ler clássicos, livros que foram escritos há tantos séculos e que ainda hoje se mantêm relevantes por revelar o que há de mais importante na condição humana. Alguns dos meus favoritos são as obras escritas no século XIX, em especial o romance gótico. De facto, os séculos XVIII e XIX foram séculos de grande criação artística nos quais mais se pensou sobre a imaginação e a capacidade do ser humano de criar novas narrativas para além daquilo que nos rodeia. O romance gótico surge aqui, dentro do contexto do movimento do Romantismo, como um género que explora o inconsciente, os desejos reprimidos, o misticismo, o sobrenatural e o lado mais negro e obscuro do ser humano. Assim, obras como Frankenstein, de Mary Shelley, Dracula, de Bram Stoker, The Picture of Dorian Gray, de Oscar Wilde estão na minha lista de favoritos. No entanto, mais obras dentro deste período se afiguram como algumas das minha favoritas, nomeadamente no que toca à poesia de autores como William Blake, John Keats e Percy Bysshe Shelley, marido de Mary Shelley.
Mas, afinal, o que é que faz com que um livro se torne um clássico da literatura? Aqui, aponto algumas das razões.
1. Relevância - quando uma obra é relevante para o seu próprio tempo, mas também influencia obras futuras. Seja através do estilo de escrita, seja pelas temáticas que aborda, um clássico resiste ao teste do tempo ao manter-se relevante ao longo dos séculos e ao inspirar obras posteriores. Basta lembrarmo-nos não só das adaptações para o cinema dos romances de Jane Austen, como em obras literárias que são inspiradas nelas. O mesmo serve para Shakespeare ou Alexandre Dumas, por exemplo.
2. Aborda preocupações humanas universais - "Então, mas não abordam todos?" De certa forma, sim. Mas há livros que abordam estas questões de forma mais profunda e com maior grau de complexidade do que outros, obrigando-nos a pensar sobre as nossas acções, motivações e instintos mais básicos, levando-nos a um trabalho de introspecção maior. Crime e Castigo, de Dostoyevski, aborda a questão da culpa e os dilemas morais depois do protagonista cometer um crime; O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, aborda temáticas como a vingança, a esperança, a justiça e o perdão,
3. Altera/Questiona paradigmas - Seja de pensamento, seja em relação ao uso da linguagem, estrutura narrativa ou por forçar as pessoas a pensarem para além daquilo que está pré-estabelecido. Exemplos? O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, na qual a autora advoga que apesar de se nascer com um sexo determinado, já o género é uma construção cultural. Assim, para Beauvoir, não se nasce mulher, torna-se mulher. Outro exemplo relevante é o romance de Chinua Achebe, Things Fall Apart, considerado um marco da literatura africana por abordar questões ligadas à identidade, ao nacionalismo à descolonização.
E existem, ainda, os chamados clássicos modernos, aqueles produzidos já durante o século XX e XXI, mas que, pelos motivos acima descritos, atingem o estatuto de clássicos da literatura. São exemplos disso The Handmaid's Tale, de Margaret Atwood que questiona as instâncias de poder, tal como fizeram outras distopias antes desta, como 1984 e Brave New World, inovando por questionar, especificamente, o poder patriarcal. Outro exemplos: Invisible Man, de Ralph Ellison, que retrata a história de um homem negro, nos Estados Unidos, cuja cor da pele o torna invisível (o quão relevante é isto nos dias de hoje?); Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, outra distopia sobre o poder dos media e da conformidade; To Kill a Mockingbird, de Harper Lee, que aborda questões raciais através dos olhos de uma criança; Revolutionary Road, de Richard Yates, sobre um casal que vive sufocado pelas pressões sociais; e outros tantos que poderiam estar aqui.
Acho que há três nomes que nos vêm imediatamente à cabeça quando se fala de clássicos portugueses: Camões, Eça de Queiroz e Fernando Pessoa. Camões porque, com a sua epopeia Os Lusíadas, retratou um dos períodos mais prósperos de Portugal: os Descobrimentos. Fernando Pessoa, pela sua criação artística, mas também de heterónimos, cada um com a sua voz e o seu estilo próprio, que lhe permitiu explorar a língua portuguesa bem como temáticas ligadas à nossa cultura. Já Eça de Queiroz, conhecido pela riqueza do uso da linguagem, pelo seu realismo descritivo, bem como pela crítica social que imprimia nas suas obras. Outros tantos nomes e obras poderia juntar aqui, mas deixo-vos com alguns dos meus autores favoritos: Florbela Espanca, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade, José Saramago e José Luís Peixoto.
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