Fantasia - Por onde começar?

julho 07, 2020


O género fantástico tem sido, muitas vezes, considerado um género menor da literatura, juntamente com a ficção científica. Mas qualquer leitor de fantasia vos dirá que este género é dos mais ricos e complexos que a literatura tem, e lá porque tem magia, criaturas monstruosas, feiticeiros e coisas que tais, não quer dizer que não tenha qualidade e que não suscite questões importantes. Nestes mundos fantásticos são abordadas questões importantes e relevantes para todos nós, com personagens bem construídas que têm dilemas, tal como todos nós, e que demonstram a capacidade criativa do autor que situa as suas narrativas num mundo completamente novo, com características diferentes do nosso. E o facto de grande parte destas obras ser escrita em vários volumes, demonstra não só a complexidade das personagens e do enredo, como também expressa a riqueza de um mundo novo por descobrir. Por isso, muitas vezes, estes livros vêm com mapas, o que pode indicar uma viagem por aquele mundo, que nos ajuda a conhecê-lo, uma demanda, ou personagens que habitam as várias partes desse mundo, onde a narrativa vai alternando entre os pontos de vista de várias personagens. Além disso, há vários níveis de fantasia: alta fantasia, baixa fantasia, fantasia histórica, retellings, fantasia grimdark... É à escolha do freguês, há para todos os gostos!

Mas para quem nunca leu fantasia, por onde começar? Hoje venho responder-vos a essa pergunta. Peguei em todos os meus livros favoritos de fantasia e dividi-os pelos livros mais indicados para quem está a começar, para quem já tem alguma experiência nestes mundos, e para aqueles que já vão num nível mais avançado. Se querem enveredar por mundos fantásticos e não sabem bem por onde começar, este post é para vocês.

Nível Iniciado

Se nunca leram fantasia e antes de se atirarem a livros mais densos, se calhar é melhor começar por aqui. Se bem que isto não é uma regra, por isso se nunca leram nada disto e se se quiserem atirar aos livros do Sanderson, força! Os livros que listo aqui são óptimos pontos de entrada para este género que tem tanto para oferecer e que vocês, se calhar, nem sabem.

Duas das primeiras obras que me vêm imediatamente à cabeça são As Crónicas de Nárnia e a saga Harry Potter. Se tiverem miúdos e querem que eles se interessem pela leitura, também são óptimas opções para começarem a ganharem o gosto pelos livros. Estes dois são marcadamente Young Adult, lidando com questões inerentes ao próprio crescimento, ao mesmo tempo que descrevem mundos fantásticos com muita magia, criaturas monstruosas, feiticeiros, com uma linguagem simples, acessível e que flui muito bem. Eu li ambas as obras já em adulta e adorei, por isso serve a miúdos e graúdos! Ainda nesta onda YA, recomendo muito o The Graveyard Book, publicado em português com o título, A Estranha Vida de Nobody Owens. Foi o primeiro livro que li de Neil Gaiman e ainda hoje é dos meus livros favoritos por contar a vida muito peculiar da personagem principal que é criado pelas criaturas que vivem num cemitério.

Outras obras que também aconselho, são aquelas que se baseiam em mitos e lendas e, neste caso, tenho duas sugestões: a trilogia Sevenwaters, de Juliet Marillier, e As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley. Em Sevenwaters temos uma narrativa que se baseia em lendas da Irlanda medieval e que explora o mundo celta através do ambiente que imprime nas suas histórias. Já Marion Zimmer Bradley oferece uma perspectiva feminina sobre a lenda arturiana, focando-se em personagens como Morgana, Guinevere, Morgause e Viviane, num retelling da lenda arturiana. 

Para além destas, aconselho muito o Good Omens, de Neil Gaiman e Terry Pratchett. Li este livro o ano passado e adorei! É uma espécie de comédia fantástica, que joga com várias pré-concepções sobre o Apocalipse. Cheio de ironia e humor, vemos como as criaturas do Céu e do Inferno seguem os eventos que irão propiciar o fim dos tempos, acompanhando três personagens principais: o anjo Aziraphale, o demónio Crowley e a bruxa Anathema Device.

Aqui, recomendo também The Hobbit, de J. R. R. Tolkien, porque é um excelente ponto de partida para se aventurarem, mais tarde, na sua obra principal, The Lord of the Rings. Aqui começam a conhecer o mundo, as personagens, a história e geografia da Terra Média, os vários povos e começam a familiarizar-se com o mundo criado por Tolkien.


Nivel Intermédio

Para quem já está habituado a obras de fantasia, podemos aumentar aqui a fasquia no que toca à concepção dos mundos e à linguagem usada pelos autores, aspectos que se tornam mais complexos. Aqui, tenho quatro recomendações para vocês. 

Para começar, a trilogia das Jóias Negras, da Anne Bishop, é um exemplo daquilo que é chamado de Dark Fantasy. Aqui, ela cria um mundo matriarcal governado por um sistema de magia complexo baseado nos poderes de determinadas jóias, e com personagens extremamente bem concebidas. É impossível - IMPOSSÍVEL - esquecermos a família SaDiablo, em especial Daemon e Lucivar. 

Outra recomendação é a trilogia Farseer, da Robin Hobb, que segue a vida de FitzCavalaria, a personagem principal que tem poderes fora do comum, nomeadamente o facto de conseguir entrar na mente de animais e pessoas. Aqui temos um mundo mais complexo, com uma roupagem medievalista, e que investe, principalmente, na construção das personagens e nas intrigas ao nível da corte. 

Neil Gaiman também se insere aqui com a sua obra American Gods, uma obra onde confluem vários deuses de várias mitologias, para revelar a essência da diversidade cultural dos Estados Unidos. A escrita de Gaiman neste livro não é a mais acessível para quem está a começar, simplesmente porque tem muitos elementos fantásticos ligados à mitologia, mas não é difícil. Se já tiverem alguma experiência e embalo de outras fantasias prévias, atirem-se a ele. 

Por fim, e não menos importante, uma das minhas sagas favoritas de fantasia: Mistborn. Esta trilogia actualiza muitas das temáticas de obras de fantasia anteriores, dá-lhes uma nova roupagem e um sistema magia inovador e completamente diferente. Está aqui neste nível, porque penso que já é preciso um certo à vontade em mundos fantásticos, com a linguagem que é utilizada, se bem que a escrita de Sanderson é super acessível e simples, para perceber de que forma é que o autor inova na criação deste mundo que faz parte de Cosmere, um universo maior que une algumas das suas obras. É maravilhoso entrar nesta trilogia e até a minha mãe ficou fascinada e devorou os livros.

Nível Avançado

Aqui entramos em obras não só com um grau de complexidade mais avançado na construção dos mundos, das personagens, de sistemas de magia, como também no uso da linguagem, na criação de novos vocábulos e no impacto que têm ou tiveram para a chamada alta fantasia - aquela que cria mundos independentes do mundo do leitor, com características e leis próprias e, frequentemente, com um carácter épico. 

E é claro que não se pode falar de alta fantasia sem se falar de Tolkien. Em The Lord of the Rings, Tolkien estabelece aquele que é o molde da construção de mundos fantásticos, tanto no que toca à estrutura narrativa, como à roupagem medievalista, às temática, e às personagens. Tolkien tem, ainda, um estilo de escrita descritivo e intricado, o que faz com que este livro esteja nesta categoria, ainda que o enredo seja relativamente fácil de seguir. Nos dias de hoje, algumas destas características já se tornaram quase clichés do género, repetidas à exaustão por outros autores, mas Tolkien esteve na base daquilo que é a fantasia moderna e é uma obra que, ainda hoje, continua relevante e é fascinante para quem a ler pela primeira vez. É ele que, inclusive, escreve talvez o primeiro ensaio teórico sobre fantasia, basilar para quem estuda este género e estas temáticas. Se tiverem curiosidade, o ensaio chama-se "On Fairy-Stories".

Na senda de Tolkien, está Martin, com a sua saga A Song of Ice and Fire. E como Martin desconstrói e subverte inúmeros elementos tanto da fantasia como da representação de elementos medievais, é preciso conhecer o que está para trás para perceber isso. Martin vai, de facto, pegar em muitos das características a que já estamos habituados a ver em obras de fantasia, para destruir as expectativas dos leitores e deitar por terra muitas das nossas pré-concepções sobre o modo de escrever fantasia. É uma obra riquíssima, principalmente no que toca à complexidade psicológica das personagens, e é um mundo com relativamente pouca magia, quando comparada com outras obras, aspecto que marca aquela que é chamada de fantasia grimdark. Tolkien estará para o seu tempo tal como Martin estará para o seu, ambos derrubando barreiras no que toca à construção de mundos fantásticos, cada um à sua maneira.

Por fim, todo o meu amor vai, mais uma vez, para o Sanderson naquele que será o seu esforço hercúleo literário, na saga The Stormlight Archive. Esta será uma saga de dez volumes, estando planeada a publicação do quarto volume no final deste ano. Este é um verdadeiro tour de force no que toca à construção de mundos fantásticos. Aqui, somos confrontados com muitas características inovadoras no que toca ao sistema de magia, à mitologia e cosmologia deste mundo, que revelam a enorme complexidade não só da construção do próprio universo, mas também das várias ramificações  daquilo que nos é contado. Ramificações essas que vão vertendo de uns livros para os outros, uma vez que vai-nos sendo revelado não só o próprio enredo, mas também aspectos da própria criação do mundo e daquilo que aconteceu até chegarmos ao momento presente. São livros com uma linguagem acessível, sem grandes floreados, bastante escorreita e directa, mas cuja complexidade se revela no que toca ao mundo criado e é preciso já ter alguma bagagem e uma mente treinada para abarcar tudo aquilo que nos é dito.

Espero que este post vos seja útil, e se tiverem mais algumas sugestões deixem nos comentários!

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1 comentários

  1. Durante muito tempo, Fantasia foi o meu género favorito e também não consigo perceber como tanta gente escarnece deste género literário. Há livros tão marcantes apesar de terem magia e monstros, há personagens tão especiais e até reais! Enfim!

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