A Little Life - Opinião
abril 16, 2021Podem também ouvir a minha opinião no podcast, AQUI.
Confesso que não sei muito bem o que dizer sobre este livro. Aliás, tenho muita coisa para dizer, mas não sei bem como dizer e ao mesmo tempo não quero dizer demasiado para não spoilar nada nem ninguém.
Começo por dizer que este é um livro muito intenso, que explora várias temáticas que podem ser muito difíceis de se ler. Todo este livro deveria ser um "trigger warning" porque lida com várias coisas que podem despoletar memórias, traumas, a quem passou por situações semelhantes ou que está no mesmo registo das personagens do livro. Ficam aqui alguns avisos à navegação, para quem está a pensar ler o livro. Algumas das temáticas mais pesadas incluem: discussão sobre trauma, stress pós-traumático, ansiedade, depressão, comportamentos auto-destrutivos, abuso físico e sexual, suicídio.
No entanto, este livro também é sobre amor, amizade, cumplicidade, companheirismo, compaixão, sobre as dores de crescimento pelas quais quatro homens passam, durante a idade adulta, desde que se conhecem, aos 16 anos, e durante os mais de 30 anos seguintes. Estes quatro homens são amigos que se conhecem desde sempre: Jude, Willem, JB e Malcom, ainda que a personagem central seja, sem dúvida, Jude, e a partir deste centro conseguimos perceber de que forma as outras personagens se relacionam com ele e entre si.
Este é um livro tragicamente belo. Tem uma escrita muito fluida, que permite estabelecer uma ligação enorme com as personagens e uma envolvência que nos transporta para aquelas vidas e que nos faz importar com o que, de facto, acontece àquelas pessoas. Mas é um livro com muito sofrimento que, ao mesmo tempo, nos mostra o poder da amizade, do amor e da dedicação que algumas pessoas conseguem demonstrar perante alguém que sofre continuamente. O passado traumático de Jude vai-nos sendo revelado aos poucos, o que faz também com que haja uma tensão permanente durante a narrativa, porque nunca estamos confortáveis nem seguros, porque apesar de sabermos que algo de muito grave lhe aconteceu, nunca sabemos bem o quê. E ao mesmo tempo que queremos saber, não queremos ser testemunhas dos seus traumas.
É muito complicado lidar com alguém cujo sofrimento é tão grande e a quem não conseguimos ajudar, e este livro demonstra-nos isso também. Ao conhecermos pessoas como Harold, Andy e Willem que vão cuidar de Jude, percebemos que, ainda que não consigam compreender bem o que ele passa nem o consigam ajudar completamente, estão sempre lá para aquilo que ele possa precisar. Este livro mostra-nos, também, essa frustração: a de quem quer ajudar, mas não consegue; e a de quem precisa ser ajudado, mas que não consegue permitir que outros entrem na sua bolha para o fazer. Porque o trauma está sempre presente: em todas as acções, pensamentos, situações (ora mais felizes, ora mais tristes). Há reflexos, padrões de pensamento e de comportamento que, aprendidas de forma errada muito cedo, se perpetuam no tempo e que, sem acompanhamento, se tornam na normalidade de cada um. Neste sentido, Jude carrega a culpa que muitos sobreviventes de traumas carregam: a de que merecem aquilo que lhes aconteceu no passado e, por isso, não merecem a felicidade e as coisas boas que lhes acontecem no presente.
Este é um livro extraordinário e de que gostei muito. Até agora, é o melhor livro que li este ano e estará, certamente, na lista dos melhores do ano inteiro. Mas apesar de ter adorado o livro e de ter devorado mais de 700 páginas em pouco mais de uma semana, não posso aconselhar a sua leitura a toda a gente. Porque são temas complexos, difíceis de se ler, é uma história que nos deixa destruídos durante e depois da sua leitura e que só se deve ler se estiverem bem, a nível mental e emocional.
Eu emocionei-me bastante em alguns momentos. Chorei não em partes trágicas, mas em momentos de demonstração de ternura, de compaixão, de amor, dedicação e lealdade perante algumas situações, porque são esses momentos que mostram um amor quase incondicional. Se achei que era sofrimento a mais e que algumas partes são gratuitas e para chocar? Não. Não achei, porque sei que há pessoas com estas vivências, com estes pensamentos e comportamentos. Nada me chocou. É tocante e doloroso, sem dúvida, mas nunca nada me chocou. Tudo tem uma razão de ser e se encaixa para contar a história de Jude, mas é de uma extrema dor emocional.
Acompanhei esta leitura com o respectivo audiobook e foi uma experiência fenomenal. A narração é maravilhosa, muito bem feita, e imprime as emoções e o tom certos para cada personagem e para cada momento narrativo. Gostei muito de o ter feito, porque deu uma maior dimensão à palavra escrita.
Assim, o meu veredicto é este: adorei o livro, mas não o recomendo a toda a gente.
6/6 - Excelente
(Este livro foi lido para o desafio Mount TBR Reading Challenge 2021)
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Editora: Picador
Páginas: 720
Sinopse:
"When four classmates from a small Massachusetts college move to New York to make their way, they're broke, adrift, and buoyed only by their friendship and ambition. There is kind, handsome Willem, an aspiring actor; JB, a quick-witted, sometimes cruel Brooklyn-born painter seeking entry to the art world; Malcolm, a frustrated architect at a prominent firm; and withdrawn, brilliant, enigmatic Jude, who serves as their center of gravity.
Over the decades, their relationships deepen and darken, tinged by addiction, success, and pride. Yet their greatest challenge, each comes to realize, is Jude himself, by midlife a terrifyingly talented litigator yet an increasingly broken man, his mind and body scarred by an unspeakable childhood, and haunted by what he fears is a degree of trauma that he’ll not only be unable to overcome—but that will define his life forever."
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