A Avó e a Neve Russa - Opinião

abril 06, 2021



Podem ouvir esta opinião também no podcast.

O ano passado tomei uma decisão mais consciente de começar a apostar em livros de autores portugueses. Porque sinto que me escapam histórias, narrativas, autores que merecem a minha atenção e que me permitem ler e pensar na minha própria língua. Leio e trabalho muito com a língua inglesa e, sinceramente, a maior parte do tempo o meu cérebro está com o interruptor ligado em inglês, por isso sei que tenho de fazer um esforço extra para ler na minha língua materna.

Este A Avó e a Neve Russa conta-nos a história, na primeira pessoa, de um rapaz de 10 anos que interiorizou em si a missão de curar a avó, a sua Babushka, que sofre com os efeitos posteriores do desastre de Chernobyl. Este rapaz vive no Canadá com a sua avó e o seu irmão, e vive constantemente  preocupado com a saúde (ou falta dela) da avó. E é pela mão deste rapaz, de quem nunca sabemos o nome, que vemos a vida e seguimos as suas aventuras.

Em primeiro lugar, percebemos a vida através dos olhos de uma criança que é obrigada a crescer mais depressa, por conta da sua realidade familiar, mas que, ainda que queira ser um "homenzinho" (como tantas vezes refere), continua a ser um rapaz cuja visão do mundo é limitada pela sua idade e inocência. É um rapaz que dá muita importância ao vocabulário e à descoberta de palavras novas, mas que depois não sabe o seu verdadeiro significado - o que acentua a sua ingenuidade - ou então di-las de forma errada. Por isso temos confusões entre oncologia e ornitologia, e até expressões ou palavras adaptadas a si, como "xenofilia" em vez de xenofobia, "gaseificadas", em vez de "gazeadas", ou até "icónicos" em vez de ícones, neste caso religiosos. Tenta desconstruir conceitos como comunismo e capitalismo, mas o seu olhar não vai longe e não os consegue perceber por conta da sua tenra idade. Há momentos muito engraçados quando lemos estas expressões e estas tentativas de explicação, de um miúdo que tem tantas certezas, mas que, na realidade, sabe pouco sobre aquilo que o rodeia.

Este é um livro muito ternurento, devido à constante preocupação de um neto com a saúde da avó e com a demanda que enceta para procurar uma forma para a curar. É um livro que nos fala de amor, de fé, de humanidade, de crescimento, de inocência, do mundo e das pessoas vistas pelo ponto de vista de uma criança de 10 anos que tudo apreende, mas que de pouco sabe. No entanto, ao mesmo tempo que isso é verdade, nos obriga a pensar de forma mais profunda em temas que são complexos, mas que aqui são retratados com simplicidade.

Gostei muito deste livro e quero continuar a seguir a obra deste autor.

5/6 - Muito Bom

(Esta leitura conta para o desafio Mount TBR Reading Challenge 2021)


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Detalhes

Editora: Elsinore
Páginas: 216
Sinopse:
"A Babushka é uma russa idosa que, há alguns anos, emigrou para o Canadá. Sobreviveu ao acidente nuclear de Chernobyl e, agora, está doente. Na fronteira entre a imaginação e a realidade, o seu neto mais novo, de dez anos, não desiste de encontrar uma solução para os seus «pulmões destruídos».

Narrado na primeira pessoa e escrito a partir do ponto de vista ingénuo, terno e, por vezes, irónico de uma criança, relata-se neste romance a peregrinação de um neto ao longo de um continente, bem como inúmeras peripécias na sua cidade natal, habitada por todo um grupo de personagens curiosas."

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