Circe - Opinião

maio 29, 2020


Este livro teve bastante hype quando saiu e fiquei muito curiosa, na altura. Isso aliado à capa belíssima fez com que o levasse para casa e, finalmente, tive a oportunidade de o ler. Foi a minha estreia com esta autora, Madeline Miller, e confesso que adorei a sua escrita. Ela cria esta narrativa baseada na mitologia grega, tanto nas suas personagens como em episódios específicos da mesma, para contar a história de Circe, uma deusa menor, mas uma feiticeira poderosa.

Através do olhar de Circe, temos o recontar de alguns episódios da mitologia grega e travamos conhecimento com algumas das personagens mais marcantes, desde Prometeu, a Zeus, Ulisses, Dédalo, Medeia, Jasão e o Minotauro, só para dar alguns exemplos. As histórias deste panteão e das aventuras dos mortais que se cruzam com eles foram imortalizadas em obras de autores da antiguidade clássica como Homero, Ovídio, Apolónio de Rodes, Hesíodo e aqui são trazidas para a cultura popular. Por isso, acho que este livro é adequado tanto aos que estão mais familiarizado com estas histórias e personagens, que gostam de olhar para estas narrativas através de outros olhos, bem como para aqueles que não as conhecem assim tão bem.

Tomamos, então, contacto com alguns dos principais deuses gregos pela mão e pelos olhos de Circe, que nos conta a sua história, bem como com a história da sua família disfuncional, na primeira pessoa. Circe é filha de Helios, o deus solar, e uma ninfa, algo que faz dela uma divindade e imortal, mas sendo uma ninfa está no estrato mais baixo da divindade, por assim dizer. Ou seja, ela é desprezada por praticamente todos os que a rodeiam, inclusive os seus pais, irmãos e restantes deuses. No início da sua vida é bastante maltratada, ignorada e tudo isso vai, aos poucos, destruindo as ilusões e a ingenuidade de Circe, fazendo com que ela assuma, finalmente, o seu papel de feiticeira. No entanto, se há coisa que os deuses temem, são seres que conseguem fazer coisas que eles não conseguem e, por isso, Circe é condenada ao exílio.

Circe torna-se, então, numa feiticeira com poder de direito próprio e que, numa ilha, vive sozinha o resto dos seus dias, uma vez que é considerada uma ameaça ao mundo dos deuses. Só que não. Parece que, ainda que tenha sido condenada ao exílio, de alguma forma ainda existem criaturas divinas e mortais que a encontram e que a envolvem, de alguma forma, nos seus desígnios. Os deuses são representados, aqui, como criaturas vaidosas, que só actuam quando há algo em troca, egoístas e que provam o seu nome e a sua fama através de actos cruéis, como a destruição de cidades, o início de guerras e o derramamento de sangue entre os mortais.

No entanto, Circe contrasta com todo este mundo, revelando ser uma mulher extremamente sensível,  empática, com um poder imenso no que toca ao uso da magia, uma mulher forte que persevera apesar de todas as dificuldades e de tudo o que lhe acontece. Através dela temos considerações sobre a solidão, a maternidade, o amor e a independência feminina. Por isso, considero que este livro é mais do que somente umas histórias mitológicas recontadas pelo olhar de uma das suas protagonistas. É uma reflexão sobre estes temas, tendo como cenário a mitologia grega, mas que obriga a uma reflexão mais profunda sobre eles.

Gostei muito deste livro por vários motivos. Pela temática da mitologia, da qual já conhecia bastantes episódios e, por isso, foi muito interessante ver como é que Miller inseria estes momentos na narrativa, encaixando-os sempre na vida de Circe. Depois, a autora escreve muito bem e a prosa adequa-se bastante à narrativa apresentada. Miller consegue tecer, tal como Circe no seu tear, uma história que já é familiar e dar-lhe o seu próprio cunho pessoal, adaptando-a para um público diferente do original. Este livro foi uma delícia de ler. Já não lia livros de fantasia há muito tempo e acho que voltei ao género em grande, apesar de a autora considerar que a sua obra se encaixa no género do realismo mitológico. Não posso deixar de recomendar e quero muito ler o seu outro livro, A Canção de Aquiles.

Para os mais curiosos, se quiserem ler algumas destas histórias tal como foram contadas pelos autores gregos, aqui fica uma pequena lista de obras que podem ser interessantes:

Odisseia e Ilíada, de Homero
Teogonia, de Hesíodo
Metamorfoses, de Ovídio
As Argonáuticas, de Apolónio de Rodes

5/6 - Muito Bom

(Esta leitura conta para o desafio Mount TBR Reading Challenge 2020)

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Detalhes

Editora: Bloomsbury
Páginas: 333
Sinopse:
"In the house of Helios, god of the sun and mightiest of the Titans, a daughter is born. But Circe has neither the look nor the voice of divinity, and is scorned and rejected by her kin. Increasingly isolated, she turns to mortals for companionship, leading her to discover a power forbidden to the gods: witchcraft.

When love drives Circe to cast a dark spell, wrathful Zeus banishes her to the remote island of Aiaia. There she learns to harness her occult craft, drawing strength from nature. But she will not always be alone; many are destined to pass through Circe's place of exile, entwining their fates with hers. The messenger god, Hermes. The craftsman, Daedalus. A ship bearing a golden fleece. And wily Odysseus, on his epic voyage home.

There is danger for a solitary woman in this world, and Circe's independence draws the wrath of men and gods alike. To protect what she holds dear, Circe must decide whether she belongs with the deities she is born from, or the mortals she has come to love."

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