Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos - Opinião

julho 31, 2020


Este era um dos livros que mais queria ler, daqueles que comprei no último ano. Vencedora do Prémio Nobel da Literatura em 2019, Olga Tokarczuk concede-nos esta história sobre o poder da natureza em punir aqueles que a agridem. Neste livro, somos guiados pela voz de Janina, uma mulher idosa que vive numa povoação rural meio perdida entre as montanhas, num local perto da fronteira entre a Polónia e a República Checa. E esta fronteira, para além de ser física e geográfica, é também a fronteira entre o real e o imaginário, entre o terreno e o espiritual, onde o uso da astrologia para fazer sentido dos acontecimentos mundiais e locais nos parece fazer sentido.

Durante o livro, vamo-nos apercebendo de várias mortes que vão acontecendo: vários homens são encontrados mortos, curiosamente com algum tipo de marca ou de pista que ligue estas mortes, aparentemente acidentais, a potenciais homicídios por parte dos animais da floresta que tantos tentam caçar. Janina, uma mulher extremamente sensível a fenómenos astrológicos e também à natureza e aos animais, tem a percepção que estas mortes são causadas pelos animais que pagam na mesma moeda quem os tenta caçar. E assim somos levados na vida mundana e quotidiana desta personagem bastante peculiar, que num minuto vai à aldeia comprar comida ou roupa, noutro está a traduzir a poesia de William Blake com um ex-aluno, e no outro está a tentar desvendar o mistério destas mortes estranhas.

Gostei bastante da escrita da autora. Conseguimos entrar neste mundo com facilidade, numa escrita que não tem grandes floreados estilísticos, mas que provoca reflexões profundas em nós, leitores, com algumas passagens e algumas frases. Gostei muito de Janina - da sua personalidade, das suas crenças, de como recusa dobrar-se à vontade e às crenças dos outros, levando a sua até ao fim. Gostei de a conhecer e de entrar na sua vida relativamente simples, de alguém que tem as suas rotinas, as suas maleitas (como ela lhe chama), e as suas convicções profundas de que a natureza e os animais têm a capacidade de se vingar de quem lhes faz mal. E penso que esta é a principal mensagem deste livro: se continuarmos a maltratar e a negligenciar o nosso planeta como temos feito até agora, algum dia isso vai-se virar contra nós com consequências bastante graves. Neste sentido, o livro apela ao nosso sentido de responsabilidade perante o mundo animal e natural.

No entanto, o livro prometia um misto de policial ou fábula macabra, mas não senti isso. Sim, as mortes acontecem de forma estranha, ninguém sabe o que aconteceu, mas não senti o livro como um policial. Para mim, um policial tem outras características para além daquelas que aqui estão incluídas. Sim, há vários crimes por resolver, mas não há um processo de investigação policial, não senti aquele clima de mistério e suspense que os policiais costumam ter, nem a inquietação para encontrar o assassino. Sim, queremos saber como é que aquelas pessoas morreram, mas não estava propriamente aos pulos para saber, por isso não achei que este livro tivesse laivos de policial.

Para mim, o livro é principalmente sobre a ligação entre o homem e a natureza, que não tem sido respeitada e, por isso, a natureza pune a humanidade. Gostei do livro, gostei da história, das personagens e da escrita da autora, mas não me deslumbrou por aí além. É um bom livro, ideal para ler nesta altura de férias, e permite um bom escape à nossa vida quotidiana. Por isso, se quiserem uma boa sugestão para as férias, leiam este livro.

4/6 - Bom

(Esta leitura conta para o desafio Mount TBR Reading Challenge)

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Detalhes

Editora: Cavalo de Ferro
Páginas: 288
Sinopse:
"Numa remota aldeia polaca, a excêntrica Janina Duszejko, professora reformada, divide os seus dias a traduzir a poesia de William Blake e a observar os sinais da astrologia, fazendo por manter-se afastada das pessoas e próxima dos animais, cuja companhia prefere; mas a pacatez dos seus dias vê-se interrompida quando começam a aparecer mortos vários membros do clube de caça local. Certa de encontrar respostas, Janina decide lançar-se na investigação do caso, chegando a uma estranha teoria que espalhará o terror pela comunidade.

Sob a máscara de policial noir ou fábula macabra, Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos é um romance mordaz e desconcertante que questiona a nossa posição acerca dos direitos dos animais e responsabilidade sobre a natureza, bem como todas as ideias preconcebidas sobre a loucura, a justiça e a tradição."

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4 comentários

  1. Também gostei muito, fácil de se ler, mas no meio da ligeireza tem reflexões ambientais, um policial que é muito mais do que isso tendo em conta a proteção dos animais

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    1. Sim, o grande forte do livro é mesmo o foco na protecção dos animais e da natureza. E é a prova de que um autor laureado com o Nobel não é, necessariamente, difícil de ler.

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  2. Gosto sempre de ler pelo menos um livro de cada vencedor do Prémio Nobel e a Olga está na lista dos que ainda faltam ler. Obrigada pela partilha e bom fim de semana

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    1. Tenho bastantes em atraso, porque nos últimos anos não tenho tido tempo nem disponibilidade mental... Mas quero ver se começo a apanhar o ritmo :)
      Bom fim de semana!

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