Preconceitos literários

agosto 04, 2020


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O preconceito é uma ideia pré-concebida sem grande fundamento, uma opinião desfavorável em relação a algo ou alguém, mas que não tem grandes dados objectivos ou concretos para existir. Vemos preconceito em várias áreas da nossa vida que dão origem a alguns dos mais graves problemas na nossa sociedade, como o racismo, a xenofobia, a homofobia, o preconceito social, cultural, de género e religioso. E tal como existem estes preconceitos, também existem preconceitos literários.

De certeza que há algum género de livros ou autores dos quais se mantêm afastados, simplesmente porque acham que não tem valor literário, ou porque são "livros que não interessam", ou outra razão qualquer. Eu assumo já aqui: sim, tenho preconceitos literários. Claro que podem vir argumentar que não lêem aquele autor ou aquele tipo de livros porque não se identificam, porque não vos diz nada - e tudo isso é válido e ninguém tem de ir ler agora todos os tipos de livros que existem só porque sim. Mas negar uma ciência que, à partida, desconhecem - isso não será já preconceito?

Eu não vou atirar a primeira pedra, porque confesso que tenho alguns preconceitos. Quando dizem o nome de algum autor, ou de algum tipo de livro, a minha tendência é torcer logo o nariz porque acho que esses livros não têm assim tanto valor - ainda que a realidade não seja essa. Alguns dos meus preconceitos são os romances românticos, os chamados livros de Auto-ajuda, e a literatura Young Adult.

Um dos géneros que mais sofre este preconceito literário, e contra mim falo, são os chamados livros de auto-ajuda, ou de espiritualidade. Tal como em qualquer outro género, há livros bem escritos e outros nem tanto; há temáticas interessantes, mas outras nem por isso; e ainda há livros que não são bem de auto-ajuda, mas que acabam por levar com esse selo e, muitas vezes, passam ao lado de potenciais leitores por causa dessa categorização. Há, de facto, livros que estão bem escritos e são bem construídos, que podem contribuir para o nosso crescimento pessoal, ou para entendermos alguma coisa na nossa vida, ou até para sentirmos que não somos os únicos a passar por uma determinada situação. Confesso que eu própria torço um bocado o nariz a este tipo de livros, porque acho que são um pouco superficiais, querem oferecer soluções chapa três quando os problemas são mais complexos e merecem uma atenção maior. No entanto, há livros que encaixam nesta categoria, mas que tenho enorme curiosidade em ler, como os livros do Matt Haig, nomeadamente Razões para Viver e Um Mundo à Beira de um Ataque de Nervos. Para além deste autor, pretendo ler os livros da Brené Brown porque fiquei fã da sua TED Talk, bem como da palestra que deu e que está disponível na Netflix, O Poder da Coragem. Por isso, acho mesmo que pode haver algumas pérolas perdidas no meio de livros que podem ser mais superficiais, e que valem a pena serem lidos.

Outro dos meus preconceitos são os romances românticos. Não tenho nada contra o amor, atenção! Mas, para mim, atrai-me muito mais uma obra sobre outra temática e que tenha uma componente de romance, do que um livro puramente romântico. E isto nada tem a ver com a qualidade de escrita dos autores, certamente haverá grandes romances muito bem escritos, mas... Não. Para mim, não. Consigo ler ficção contemporânea, ficção histórica, fantasia, o que vocês quiserem, que tenha pares românticos e que tenha relações românticas bem desenvolvidas, mas não consigo ler obras que são puramente românticas. A minha única excepção são os romances da Julia Quinn, mas que têm uma forte componente de crítica social e humor e, por isso, consegui lê-los bastante bem.

Já noutra categoria, está a literatura Young Adult. Acabo sempre por me afastar deste género de livros porque serem destinados a um público mais jovem, com dilemas com os quais eu já não me identifico. Ou, pelo menos, é assim que penso. Mas vejo muitos adultos a lerem livros classificados como YA e que me parecem bastante interessantes por abordarem temáticas importantes e de forma acessível ligadas à saúde mental, à comunidade LGBTQI, ao racismo, entre outras. Acho importante haver este tipo de livros, para que os mais jovens desenvolvam o seu pensamento crítico, estejam cientes do que acontece fora da realidade de cada um e para que se possam ver reflectidos também nestes livros. Acho que o grande preconceito neste género, é pensarmos que vamos ler sobre aspectos com os quais já lidámos no passado, ou com personagens que vão ter os típicos dramas de adolescente para os quais nós já não temos paciência... No entanto, estou a tentar lutar contra este  preconceito e quero ler livros dentro deste género. 



Ainda há outro tipo de preconceito literário, que é colocar os clássicos em oposição às obras contemporâneas. Aquele tipo de pessoa que se acha mais culta e um tipo superior de leitor porque só lê clássicos em oposição a obras contemporâneas, muitas delas com grande sucesso comercial. Aquele leitor que acha que só se fez literatura com L maiúsculo até aos finais do século XIX e o resto não vale a pena ser lido porque não tem a erudição e a qualidade desses romances. Felizmente, não sou uma dessas pessoas, e tanto leio um romance do século XIX, como um livro publicado o ano passado e ambos podem tornar-se favoritos da vida, sabe-se lá! Mas ao fazer-se isto, estão a descartar tantas obras boas, bem escritas, complexas e que abordam questões importantes.

Claro que cada um deve ler o que gosta. Leiam romances românticos à vontade, ou ficção científica, ou ficção histórica, ou o que vocês quiserem. Advogo, aqui, a liberdade de cada um em ler exactamente aquilo que lhe apetece, independentemente das modas, dos livros estarem, ou não, na lista de best-sellers, de serem re-leituras, ou outra coisa qualquer. Eu adoro fantasia, ficção histórica e contemporânea, livros que me façam pensar, que me façam escapar, que me ensinem, que me ajudem a desenvolver a minha empatia pelos outros e a tomar conhecimento de realidades diferentes da minha. E ninguém tem nada a ver com as preferências literárias de cada um, porque somos todos diferentes e temos todos direito a ler o que nos dá prazer. Eu já me deparei com gente que só lia obras filosóficas e achava que o que eu lia não tinha valor e, por isso, a minha opinião sobre literatura ou a vida não era pautada por ideias complexas, como se eu vivesse na ilusão por ler obras de ficção. Gente um bocado pseudo, se me permitem, que não fazem a mínima ideia do que estavam a dizer. Se só querem ler obras filosóficas, força! Mas não minimizem os outros só porque têm gostos diferentes.

Somos todos dignos de respeito, compreensão e aceitação, e alguns de nós já sofrem tanto no dia-a-dia, que juntar a carga do preconceito ao mundo da literatura torna-se demais. São livros. Livros que nos entretêm, que nos ajudam, que nos ensinam e nos confortam. O mundo já pode ser mau o suficiente, vamos não inferiorizar nem gozar com ninguém só porque gostam de livros que não são a nossa onda. E se os gostos dos outros nos incomodam tanto, isso dirá mais sobre nós do que os outros. Sejam bem resolvidos com os vossos livros e os vossos gostos literários, e deixem os outros ler em paz também.

Acima de tudo, leiam! ;)

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2 comentários

  1. Curiosamente tenho quase os mesmos preconceitos... também tenho desenvolvido recentemente um certo preconceito por obras premiadas nacionais muito elogiadas por críticos literários em jornais (julgo que profissionais desta escrita), é que com frequência parecem-me que muitos dos elogios e prémios mais recentes resultam mais de outros interesses do que da própria qualidade literária da obra em si.

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    1. Não tinha pensado por esse prisma, mas é um facto. E quando as críticas nos parecem motivadas por outras coisas que não o valor literário da obra, acabamos por desconfiar...

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