Literatura Arturiana para Tótós
novembro 06, 2020E como há paletes de histórias sobre Artur, a sua corte e os seus cavaleiros, resolvi pôr em prática uma ideia que já andava a magicar na minha cabeça de escrever por aqui sobre literatura Arturiana. Mas como é muita informação e eu não quero que o vosso cérebro impluda, decidi dividir aquilo que quero dizer em dois posts: o primeiro sobre as origens da lenda arturiana e a literatura Arturiana medieval, e outro sobre as influências da lenda arturiana nos mais variados meios da cultura popular dos séculos XX e XXI.
Mas e que tal começarmos pelo início?
Ora bem, estaríamos aqui vários dias a falar da origem do rei Artur, mas vou tentar resumir-me ao essencial. O primeiro registo de um Artur que dará, mais tarde, origem à figura do rei Artur tal como preconizada pelos romances medievais, data do século IX, quando o monge galês Nennius escreve uma crónica pseudo-histórica sobre a Grã-Bretanha desde os seus primórdios, a Historia Brittonum. Nesta obra, Nennius afirma que é Artur o líder de uma das mais importantes batalhas dos bretões contra os saxões, a batalha do Monte Badon - a batalha paradigmática do mito arturiano. No entanto, esta batalha é mencionada em textos anteriores, como por exemplo Gildas, em De Excidio Britanniae, obra do século VI em que Gildas atribui esta batalha ao líder militar Ambrosius Aurelianus - possível origem histórica de uma figura semelhante a Artur.
Avançando uns séculos, aquela que é considerada a primeira obra em que Artur figura claramente como rei é na crónica também pseudo-histórica de Geoffrey of Monmouth, Historia Regum Britanniae (História dos Reis da Bretanha), datada de 1136. E é Monmouth o pai de grande parte das figuras que hoje associamos ao Rei Artur: é ele quem cria Morgan Le Fay e a Ilha de Avalon, cria também Merlin e as suas profecias, cria ainda a linhagem de Artur que é filho de Uther Pendragon, a sua espada Excalibur e personagens como Guinevere e Mordred. É claro que todos estes elementos têm raízes mais antigas, nomeadamente na mitologia celta do País de Gales, de onde Monmouth era, influências que o autora acaba por imprimir a esta lenda, fazendo-a crescer com estes novos elementos. Para os mais curiosos, podem inclusive ler Mitos e Lendas Celtas: País de Gales, daquela que foi a minha orientadora de mestrado e doutoramento, Angélica Varandas. Neste livro têm a tradução de vários contos que compõem os mitos celtas galeses e a relação que alguns deles têm com a lenda arturiana. Sei que há uns tempos estava esgotado, mas se gostam da lenda arturiana e querem saber mais sobre ela, este é um bom ponto de partida.
E já que falamos em mitologia celta, para além da obra de Monmouth, há um conjunto de textos da mitologia celta galesa em que alguns se relacionam directamente com Artur. Esses textos foram compilados já no século XIX pela Lady Charlotte Guest, que os intitulou The Mabinogion. O registo destes textos já é tardio, datados do século XII e XIII, mas as histórias permanecem celtas nos seus motivos básicos. Entre os vários textos em que aparece Artur ou personagens ligadas ao mito arturiano, destaca-se Culhwch e Olwen, o mais antigo conto galês em prosa sobre Artur.
Portanto, baralhando e resumindo esta parte: origem de Artur remonta aos mitos celtas galeses, tendo sido Nennius o primeiro a registar o nome de Artur como líder da batalha paradigmática desta lenda e Monmouth o pai de grande parte dos elementos e das figuras que hoje associamos à lenda arturiana.
E depois de tentativas mais ou menos conseguidas de fazer de Artur uma figura histórica ligada à identidade bretã contra os invasores saxões, encontramos a literatura Arturiana medieval, inserida no contexto do romance de cavalaria. O romance de cavalaria surge como um desenvolvimento das canções de gesta (conjuntos de poemas épicos que contam feitos heróicos) e da poesia trovadoresca (que desenvolve os ideais de cortesia e de amor cortês). E o elemento literário que que vai diferenciar as canções de gesta do romance é, precisamente, a presença do amor cortês, algo que será bastante visível no romance arturiano. Assim, no romance temos a junção dos elementos mais bélicos, associados aos grandes feitos do herói, com os ideais de cortesia e de amor cortês.
Posto este pequeno à parte sobre o romance de cavalaria, existem três grandes ramos da literatura medieval que se organizam em ciclos ou em "matérias": a Matéria de França, a Matéria de Roma e a Matéria da Bretanha. A primeira é sobre Carlos Magno e o seu paladino, Rolando, tendo como obra principal La Chanson de Roland (A Canção de Rolando), do séc. XI. Já a Matéria de Roma centra-se na vida e obra de Alexandre, o Grande. Por fim, a Matéria da Bretanha é sobre a lenda arturiana.
E que obras compõem a Matéria da Bretanha? Muitas!! Até porque a lenda arturiana, apesar de ter origem no território da Grã-Bretanha, acabou por se desenvolver muito mais em França, a partir do século XII, e teve novo florescimento em Inglaterra já nos séculos XIV e XV. Uma das figuras imprescindíveis para a literatura Arturiana medieval foi Chrétien de Troyes, que criou as figuras de Perceval, Lancelot e o romance entre este e Guinevere, em obras fulcrais como Lancelot, le Chevalier de la Charrette e Perceval ou le Conte du Graal (romance que permanece inacabado e teve quatro continuações). E aqui temos a primeira menção ao Graal, um objecto e um motivo que se vai revelar central para as aventuras dos cavaleiros arturianos. Depois de Chrétien, temos o Ciclo da Vulgata e da Pós-Vulgata, do século XIII, em que o Graal ganha maior proeminência, uma vez que a narrativa começa com a chegada do Graal a Inglaterra, pelas mãos de José de Arimateia, até à queda de Camelot. É aqui que o cavaleiro Galahad é o escolhido para obter o Graal, depois de os cavaleiros da Távola Redonda partirem em Demanda. É nestas obras que a lenda Arturiana ganha um cunho mais ligado ao Cristianismo pela via da Demanda do Santo Graal.
Migrando de França para Inglaterra novamente, é já no século XIV que surge o mais importante romance Arturiano medieval inglês - Sir Gawain and the Green Knight, de autor anónimo (apelidado hoje em dia como o Gawain-Poet), uma vez que é nesta obra que é recuperado o herói Arturiano inglês por excelência, Gawain, cujas origens celtas, pagãs, o relegaram a uma personagem medíocre na literatura Arturiana francesa, que deu maior destaque a Galahad, o cavaleiro perfeito e cristão. Para além de Sir Gawain, é em Inglaterra que se escreve a obra que condensa todos as tradições, origens, e versões da lenda Arturiana, quando Thomas Malory escreve Le Morte D'Arthur, já no fim do século XV, obra que continuou a ser publicada até ao século XVII. Malory condensa elementos da tradição francesa, mas também britânica e de origem celta.
Baralhando e resumindo: a lenda Arturiana desenvolve-se mais em França, com o advento do romance de cavalaria, mas no século XIV volta a ressurgir no contexto inglês. Principais obras? As de Chrétien de Troyes, o Ciclo da Vulgata e da Pós-Vulgata, o Gawain-Poet e Malory.
Gostaram? Então agora é só esperar uns dias até ao próximo post, onde falarei de da lenda Arturiana num período pós-medieval e de algumas adaptações para cinema, televisão e outras obras literárias.
2 comentários
Quem não gosta de um bom livro de literatura Arturiana? :)
ResponderEliminarGostei de ler o teu texto.
Obrigada, Patrícia! E hoje em dia há livros Arturianos para quase todos os gostos ;)
EliminarBeijinhos!