Miriam - Opinião

agosto 29, 2009


Estive ontem até às 3h da manhã a ler para terminar este livro da trilogia As Filhas de Rashi, de Maggie Anton.
Salomon ben Isaac é o patriarca desta família e cujas filhas são três: Joheved, a mais velha, Miriam, a do meio e Rachel, a mais nova. Sendo assim, este segundo livro intitulado Miriam, foca-se na vida da filha do meio de Salomon, o Rashi.

O início da história parte, então, do fim do primeiro livro. Miriam está noiva de Benjamin e falta pouco mais de um mês para que se realize o casamento. Apaixonados, lutam contra o desejo de se entregarem um ao outro antes da realização do casamento, porém, Benjamin morre, acidentalmente na vinha, deixando Miriam desolada durante meses. Contudo, a família tenta arranjar um noivo para que ela possa casar e reconstruir a sua vida.
É, então, achado um parceiro à sua altura, Judah. Miriam não queria nada menos que um chacham (mestre judeu) e Judah, por sua vez, também não queria uma esposa que fosse ignorante em relação ao Talmude. E, embora não estando apaixonados, acabam por ter uma relação de empatia um com o outro e casam-se.
Contudo, Judah é diferente dos outros homens da yeshiva (academia talmúdica) de Troyes, sendo que este sente-se atraído pelos vários discípulos que toma para companheiros de estudo do Talmude. E enquanto vemos Judah a tentar resistir ao impulso de se deixar levar pela sua yetzer hara (inclinação para o mal, normalmente referente ao desejo sexual) sempre que se afeiçoa a um discípulo, Miriam afirma-se como parteira da comunidade judaica e tenta também afirmar-se como mohelet, ou seja, a mulher que faz as circuncisões. Este último facto é alvo de muita polémica na comunidade, já que esta era uma obrigação e mandamento divino, mitzvah, direccionada ao homem.
Temos, então, dois grandes temas no desenrolar deste livro: o papel da mulher na vida privada e social numa comunidade judaica no século XI; e a possível homossexualidade de um jovem casado, com filhos, mas confrontado com uma luta interior entre o que é levar uma vida "normal" e ceder aos seus desejos mais íntimos de estar com um homem.

Gostei muito deste livro e, de facto, há uma facilidade enorme de nos apegarmos às personagens e sentirmos as suas vivências como se fossem nossas. Este é um trabalho excelente da autora, tanto em termos ficcionais como em termos históricos de retratar a vida da comunidade judaica de Troyes e de todos os rituais do Judaísmo e como este afecta as vidas de cada um. Tomamos conhecimento com mais personagens, com mais filhos que nascem, com outros casamentos e viagens. A autora abre também a discussão sobre o que era esperado de uma mulher, nesta época, e do que ela realmente podia fazer e, de facto, fazia. E esta família não era, de todo, considerada a típica família judaica, já que Salomon ensinava o Talmude às filhas, algo que não era permitido, tinham uma filha que se tornou mohelet e, ainda mais, as três filhas de Rashi ensinavam o Talmude aos filhos, algo reservado somente aos homens.
A narrativa atravessa também momentos históricos importantes, bem documentados, como as duas epidemias de varíola em França que começou em 1088, onde morreram grande parte dos mais novos e dos mais velhos membros da comunidade; e as batalhas do Papa Gregório com o Rei Henrique a propósito da reforma da Igreja Católica. Aliás, estes e outros factos são descritos no Posfácio da autora em que ela justifica as suas escolhas, revela a sua investigação e revela quem são as personagens ficcionais e as que existiram realmente.

Em geral é um livro, juntamente com o anterior, aconselhadíssimo para quem quer saber mais sobre o Judaísmo, mas também para quem gosta de romances históricos bem construídos, que nos agarram desde o início e que nos fazem ficar à espera de mais.
Quem quiser ler a minha opinião sobre o primeiro livro, Joheved, pode ver aqui.

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3 comentários

  1. Eu, em questão de livros, ando bastante destreinado... É mais fácil ver um filme, por exemplo, embora nada se compare ao conhecimento que se adquire com a leitura. Ando a ver se retomo um hábito que deixei pendurado na adolescência... Quanto ao aspecto visual do blog, não sei porquê, mas gosto deste template...

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  2. Eu também gosto imenso de filmes, tenho umas quantas centenas deles aqui em casa...Mas nada se compara a um livro, adoro ler! Não consigo estar sem ler, faz-me confusão.
    Até porque, por exemplo, mesmo durante a faculdade, arranjo sempre tempo para ler, mas nem sempre consigo ver os filmes que quero...

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