The Song of Achilles - Opinião
agosto 03, 2021Podem também ouvir a minha opinião no podcast, AQUI.
Parti para esta leitura com algumas expectativas: por um lado, já conhecia a escrita de Madeline Miller, uma vez que li Circe o ano passado; por outro lado, a história de Aquiles e Pátroclo não me era desconhecida, uma vez que a autora recria aqui a história de ambos, baseada na mitologia grega. Tal como acontece com Circe, não precisam de saber nada sobre mitologia grega para partirem para esta leitura. Não precisam de saber sobre os deuses, nem sobre os principais intervenientes nesta história, porque tudo vos vai sendo contado à medida que a história vai progredindo. Por isso, podem ir para a leitura deste livro sem medos.
Neste livro é-nos, então, apresentada a história de Aquiles e Pátroclo, sendo que o livro é narrado pelo ponto de vista de Pátroclo. Na mitologia grega, Aquiles é um dos principais heróis da Ilíada, bem como um semi-deus, lutando na Guerra de Tróia do lado dos gregos. É um homem belo, destacando-se o seu cabelo louro, forte, corajoso e destemido, cuja profecia dita que será o melhor guerreiro e herói de sempre. Pátroclo é o oposto: tímido, introvertido, que não tem a mínima tendência para as artes da guerra, e o seu físico não arranja suspiros a ninguém. Contudo, a vida destes dois homens acaba por estar irrevogavelmente entrelaçada desde o momento em que se conhecem, ainda em miúdos, até ao momento das suas mortes. Sabendo o que acontece, na mitologia grega, o desfecho deste livro não é surpreendente, afinal a autora tem a sua liberdade para contar a história de ambos, mas nos factores determinantes das suas histórias só poderá fazê-lo até um certo ponto. De qualquer forma, é uma história muito bem tecida e contada, de uma extrema sensibilidade e que aborda algumas questões importantes.
Uma das primeiras é o facto de a autora transformar este herói guerreiro épico quase num herói romântico. A especulação sobre a relação entre Pátroclo e Aquiles existe há muito e na cultura da Grécia clássica seria até aceite que fossem amantes. Aqui, essa especulação é tornada realidade e ambos desenvolvem uma relação bastante sólida, íntima e de compromisso mútuo. Ambos se amam e nada é possível contra esse amor. Neste aspecto, gostei muito de ver o desenvolvimento este sentimento entre os dois, desde rapazes e à medida que os vemos crescer e cimentar a sua relação apesar de todos os desafios que enfrentam. Por vezes, senti que alguns aspectos do romance eram problemáticos, nomeadamente em relação a algumas atitudes de Aquiles e à submissão de Pátroclo.
Outra questão abordada aqui é o da masculinidade e da atribuição dos papéis tradicionalmente masculinos. Por um lado, temos Aquiles um semi-deus que nasceu para ser o melhor dos guerreiros e heróis da Grécia. Um guerreiro destemido, bravo que, no contexto da Guerra de Tróia, brilha e se alimenta não só da ferocidade da batalha, como também da glória que aí advém e da admiração dos outros. Aquiles é quase uma máquina de guerra, que mata sem misericórdia, que é orgulhoso e vingativo, capaz dos maiores actos de fúria. Já Pátroclo, não tem a mínima aptidão para guerrear e tem plena consciência disso. Há, por isso, um questionamento sobre a ligação do homem à guerra, ao confronto que exige destreza e força física que nem todos têm. Aquiles parece a epítome da masculinidade, agradando a mulheres com a sua beleza, e a homens por ser um exemplo de bravura a emular, incorporando todos esses valores associados aos heróis, mas nem todos os homens são assim. Se são menos homens por causa disso? Não são. E é precisamente através da sensibilidade e da natureza mais diplomática de Pátroclo que estas questões são expostas.
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